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INTRODUÇÃO

O conceito de sustentabilidade social apresenta sua implicação na redução da desigualdade social com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos indivíduos. Em contrapartida uma empresa tem como objetivo a prestação de serviços ou a venda de produtos a fim da obtenção de lucros. Pensar a instituição clínica, como um espaço que oferta a escuta especializada do sujeito como uma prática clínica, que não se enquadra em um produto ou um serviço, tão pouco é passível de venda, embora se atribua um valor a esta prática, subverte a lógica do mercado de serviços a favor da lógica do desejo, ainda que em um contexto de vulnerabilidade. A Clínica Integração, surge então como um projeto para uma clínica sustentável diferenciando-se da clínica pública, particular e social, pois, levando em conta o contexto sócio-econômico-cultural do sujeito, favorece o acesso ao tratamento psicológico e psicanalítico de modo que o sujeito encontre um ambiente possível de privilegiar e sustentar seu discurso/desejo, uma vez que, como apontam os estudos psicanalíticos as transformações mais radicais, seja de uma sociedade, comunidade ou sujeito, estão no caminho do ato, da palavra e do desejo.

MÉTODOS

Diante da crescente demanda pelo tratamento psicológico ou psicanalítico nos últimos 20 anos e, da complexa dinâmica sócio-econômico-cultural na qual se inserem, foram observados os meios de acesso e sustentação do processo dos pacientes que buscam a clínica. Sendo assim, adotou-se como proposta da Clínica Integração, convidar o paciente, a partir do seu discurso em associação livre, a refletir sobre os recursos, que envolvem fundamentalmente a sua disponibilidade de investir e sustentar o tratamento, no que diz respeito ao tempo, presença, consistência e constância, bem como o valor que atribui à sua demanda, conforme a sua lógica de economia de gozo no específico contexto transferencial. Sendo assim, a prática clínica se desenvolve fora do contexto mercadológico de honorários, ou seja, valores fixos ou pré-estabelecidos visando lucro. A Clínica Integração atua de modo que favoreça a manutenção de seu espaço, a liberdade de atuação profissional de acordo com seu campo teórico/prático ao mesmo tempo que viabiliza o acesso dos indivíduos ao tratamento, ainda que numa condição de vulnerabilidade social.

PRINCIPAIS RESULTADOS

A Clínica Integração, inaugurada em 2002, ao longo de sua história se estabelece como projeto para uma clínica sustentável, uma vez que se estrutura na oferta da escuta ao sujeito a partir de recursos próprios, parcerias e acordos com associações de classes, planos de saúde e clubes de descontos, bem como com profissionais graduados em psicologia e especialistas ou pós graduados em psicologia clínica, psicanálise, psicoterapia existencial, psicopedagogia dentre outros que atuam com rigor técnico, teórico e ético favorecendo um espaço de escuta refinado frente ao desejo do sujeito, independentemente do seu modo de acesso ou recursos para sustentar sua análise, facilitando um convite ao paciente a escutar sua demanda além de privilegiar e sustentar seu discurso/desejo e por consequência alterar o modo como lida com sua economia libidinal.

O modo como o tratamento é proposto, favorece o sujeito a refletir sobre as questões do pagamento, o modo de acesso e sustentação da análise do sujeito, atualiza a lógica do gozo que o sustenta na sua relação com os seus sintomas e com o próprio analista. Demandas com as seguintes justificativas: atende-lo gratuitamente, via plano de saúde, pagar com cartão de crédito, pedir nota fiscal para reembolso ou desconto no Imposto de renda, etc., ainda que pareçam justificadas pelo cenário econômico predominante, podem estar a serviço da mesma lógica que legitime, por exemplo, o seu sintoma de menos-valia, ou mesmo expressar uma dinâmica de barganha com a vida, semelhante daquele que visa uma relação onde mesmo com condições financeiras para bancar sua análise, busca-a em uma lógica de superfaturamento do gozo.

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

A troca de bens e valores acontece na humanidade desde a antiguidade. A invenção do dinheiro simplificou o modo de operacionalizar e regular as relações, estabelecendo assim um pacto social, ou seja, o dinheiro como o representante de um valor, além de uma insígnia de que transita entre o poder e a vulnerabilidade. Pode ser utilizado como meio para pagar serviços, bens e/ou obrigações.

Na prática clínica, o significante dinheiro, além de um meio de autopreservação e poder, “tem poderosos fatores sexuais envolvidos no valor que lhe é atribuído” (Freud,1913), sendo assim, o dinheiro motiva e enxuga o gozo, cifra e decifra o sujeito.

Portanto, na sessão, o sujeito é convidado a associar livremente e o trabalho de produção de significantes revela a relação que ele estabelece com seus sintomas, bem como, desvela o uso que ele faz dos mesmos no confronto cotidiano com as dificuldades da vida. No tratamento, a presença ou ausência do dinheiro revela a economia libidinal envolvida na relação entre o sujeito e o seu sintoma.

Em 1918, no texto: Linhas de progresso na teoria psicanalítica, Freud observa que o trabalho do analista é limitado às pessoas privilegiadas, uma vez que as necessidades de sobrevivência se sobrepõem à busca pelo tratamento. Contudo, no futuro chegaria um momento que existiria algum tipo de organização “(…) aumentaria em medida suficiente para tratar uma considerável massa da população.”(Freud, 1918). Pondera também sobre o ato analítico e alerta que o paciente “(…)deve ser deixado com seus desejos insatisfeitos com abundância” (Freud, 1918), a fim de não tomá-lo como propriedade privada, decidindo por ele seu destino.

Por outro lado, temos o profissional que para sustentar o dispositivo clínico deve levar em conta o rigor e a precisão que esta prática sofisticada requer. Sendo assim, deve-se considerar que compreendê-la ultrapassa a apreensão da técnica e depende da construção de um dispositivo singular que exige uma certa erudição do profissional além de sua disposição para a manutenção do tripé que sustenta esta prática e que tudo isso envolve um considerável investimento de tempo e dinheiro.

LO BIANCO e colegas (1994), em seu estudo justifica que a clínica não é o mesmo que um consultório; é psicologia de qualquer lugar que necessite de progressos de saúde, sendo designada pela escuta sobre o fenômeno e não uma área de atuação. Portanto, a psicologia como campo de estudos do fenômeno humano se adapta de acordo com a demanda do sujeito, o seu contexto histórico, social, econômico e cultural, o que afeta diretamente os modos de oferta da escuta ao sujeito. Dos consultórios particulares, o acesso ao tratamento estendeu-se às Instituições de ensino, aos hospitais, ambulatórios de saúde mental da rede pública, dentre outros. Tudo isso implica em diferenças no acesso e sustentabilidade do tratamento, então, nos deparamos com: implicações e gozo.

Diante disso, ao aceitar um sujeito em análise, de acordo com a sua proposta de imediato, sem escutar cuidadosamente sua demanda, pode favorecer, no contexto clínico, a repetição de outras ofertas que circulam na cultura e que, na realidade, sucateiam o desejo do sujeito, colocando-o no risco eminente de cristalizá-lo na lógica de superfaturamento do gozo.

Deve-se considerar também a relação entre o dinheiro e a transferência, que o modo de introduzir e manejar a questão do valor e do pagamento sob condição transferencial tem consequências em seus desdobramentos, como por exemplo: o sujeito pode subestimar sua capacidade de sustentar a própria análise, podendo se fixar em uma posição de auto sucateamento e, o que é pior, sancionada pelo analista. Assim, na relação transferencial, o analista intervém na contramão do gozo, ao cobrar pela sessão. Neste sentido o dinheiro assume, então, a função de anteparo, ou seja, de para-gozo.

Para finalizar, relativamente ao aspecto de formação dos profissionais, esse, paga/banca pela sua erudição e pela sua dispendiosa formação, enquanto terceiros sustentam a análise do sujeito ou pagam um valor “pré-estabelecido” quando pagam pela sua análise. Corre-se, assim, o risco de estabelecer uma equação na qual quem investe na análise do sujeito é o analista. Consequentemente, não pode essa relação, endossar a menos-valia que o sujeito atribui ao seu próprio discurso, sucateando-se como objeto do Outro, fixado num lugar de mais gozar?

Há de se refletir ainda sobre as consequências da dinâmica na produção discursiva do sujeito propriamente dita, ou seja, sobre a atualização da regra fundamental. O modo de pagar e o quanto paga por sua palavra, não afeta diretamente a associação livre?

A questão aqui é extremamente delicada, pois todos estes elementos relativos ao acesso e à sustentabilidade do tratamento estão inseridos em contextos econômicos muito complexos, no mais, em uma primeira apreensão poder-se-ia concluir erroneamente, é claro do âmbito de ação elitista para a prática clínica o que se coloca incompatível com a sua ética[l]. Frente, então, a cada ato de escuta, a atenção às questões de natureza semelhante às aqui levantadas devem ocupar a atenção do analista no manejo do pagamento (ou não) de cada sessão e sua relação as lógicas de gozo do paciente em questão.

[1] Ética: apropriadamente do universo da falta.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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____- Matrizes do pensamento psicológico (2014) – 20° edição – Petrópolis, RJ: Vozes.

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FREUD, Sigmund – O caso Schereber, artigos sobre a técnica e outros trabalhos (1911 – 1913) – Edição

Standart brasileira das obras psicolológicas completas de Freud, Vol.XIV, Editora Imago.

_____- Uma neurose Infantil e outros trabalhos (1917 -1918) – Edição Standart brasileira das obras psicolológicas completas de Freud, Vol.XIV, Editora Imago.

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LO BIANCO, A.C., BASTOS, A.V.B., NUNES, M.L.T., SILVA, R.C. da. – Concepções e atividades emergentes na psicologia clínica: implicações para formação. (1994) In: ACHAR, R. (org) Psicólogo Brasileiro: Práticas emergentes e desafios para formação. São Paulo: Casa do Psicólogo.

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QUINET, A. – As 4+1 condições de análise. 12. Edição. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2009.

SLEMENSON, K. P. – Sem? Sobre a inclusão e o manejo do dinheiro numa psicanálise. – São Paulo: Casa do Psicólogo.

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